UMA RASTEIRA
EM NETUNO
Ondas: um
fenômeno da Natureza que foge do controle humano. Será? Confira.
Desde o mitológico Ícaro, o homem luta para dominar os ventos e, nas
últimas décadas, conquistou êxitos exprssivos depois de muita ousadia e
persistência. Agora, chegou a vez dos discípulos de Eddie Aikau tentarem
influenciar a formação de seu bem mais precioso com a ajuda de reefs
artificiais.
Craig Anderson, este sabe o que fazer com uma onda de reef. |
Os cinco continentes, juntos,
possuem quase 800 mil km de litoral. “Haja onda”, você pode pensar. No entanto,
nem sempre é assim. Grande parte da costa mundial não apresenta boas condições
para o surf, apesar de ser grande também o número de praias perfeitas, capazes
de fazer a cabeça de muita gente boa com a boia debaixo dos pés. No Brasil são
mais de 250 cidades espalhadas por cerca de oito mil quilômetros à beira do
Atlântico, o que anima qualquer surfista à procura de ondas.
Apesar de vasta e bela, a costa
brazuca, com frequência, pode deixar o marmanjo na fissura. “O Brasil tem uma
carência grande de ondas de qualidade. Claro que existem alguns picos que
quebram perfeitos em condições especiais, mas são poucos dias ao ano. A
natureza foi um pouco ingrata conosco: na região Nordeste, onde estão os
melhores fundos, as ondulações são pouco frequentes. Nas regiões Sul e Sudeste,
onde as ondulações são muito frequentes, os fundos em geral são ruins”, analisa
Luis Guilherme Morales de Aguiar, presidente da associação de surfistas da
praia do Arpoador (RJ), o Arpoador Surf Club.
Experiências espalhadas pelo
planeta dão força a uma ideia que pode ser introduzida em águas canarinhas: a
construção de fundos artificiais para potencializar as ondulações. Guilherme,
que também é engenheiro civil, mestre e doutorando em Engenharia Costeira na
COPPE/UFRJ, comenta que “o importante é que se façam as modificações de maneira
inteligente, sem causar impactos negativos que possam destruir a natureza. O
tipo de ondas varia, a maré varia, e o vento varia. São infinitas combinações e
conseguir dominar essas forças para formar a onda perfeita é um desafio fascinante”.
O mestre Tom Curren, muita habilidade para não afiar as quilhas no coral. |
Nas regiões Sul e Sudeste, por
exemplo, a massa de água que se movimenta ao longo da faixa litorânea é a
mesma, tendo apenas como diferencial a bancada de cada praia, responsável pelo
empinamento e quebra da ondulação. Eduardo Siegle, professor e pesquisador do
Instituto Oceanográfico da USP, explica que “a onda começa a sentir o fundo do
mar quando a profundidade é equivalente à metade de seu comprimento (distância
entre a crista de uma onda à outra). A partir daí, ela interage com o fundo e é
transformada, aumentando sua altura até finalmente quebrar”.
Esse fenômeno, que jamais havia
sofrido a interferência humana de maneira efetiva, começou a ser dominado com a
chegada do novo milênio. Diversas tentativas mostraram que criar um fundo
artificial pode ser uma alternativa viável e de bons resultados na formação de
ondas e outras benesses. Boscombe (Reino Unido), Kovalam (Índia), Mount
Maunganui (Nova Zelândia) e Cable Station (Austrália) são exemplos de recifes
artificiais multifuncionais que tiveram resultados, no mínimo, satisfatórios.
É pra shapear
O funcionamento dos reefs é
bastante simples: quando a onda entra numa baía, as pontas laterais se movem
mais devagar que a parte central, já que ela vai se entortando e se ajustando
ao fundo. É algo parecido com uma fila de soldados que vira uma esquina em
formação, com os soldados que estão mais perto da esquina a andarem mais
devagar e os que estão longe dela a andarem mais depressa.
“A ideia é usar esse processo de
refração e concentrar a energia em um ponto, o que aumentaria a altura da onda
e moldaria sua consequente rebentação. Esse é o caso do recife, seja ele
natural ou artificial”, enfatiza Eduardo Siegle.
Além de alinhar e “engrossar” a
onda, uma bancada destas pode interagir com o meio de diversas maneiras,
inclusive servindo de apoio à proteção e recuperação ambientais. Diferentes
organismos se instalam na estrutura à procura de abrigo, criando um ecossistema
local e uma cadeia alimentar – novos animais vão passar a frequentar o
arrecife, mas fique tranquilo, tubarões famintos não aparecerão por lá, a não
ser que já vivam nos arredores. O pesquisador da USP alerta para o cuidado
ambiental e ressalta que um dos benefícios é que “se houver uma praia com
problema de erosão, por exemplo, um recife estrategicamente colocado protege a
costa, já que a onda vai quebrar mais para fora e poupar a praia”.
Guilherme concorda com Siegle,
mas alerta que projetos mal elaborados, que não levem em conta as alterações
que a estrutura causa nas correntes e, consequentemente, no transporte de
sedimentos, podem causar impactos indesejados, como, por exemplo, erosão e
recuo da linha de costa a sotamar da estrutura ou em áreas adjacentes.
“Assim como as consequências
morfológicas, todos os demais impactos podem ter aspectos negativos que devem
ser quantificados. Por exemplo, o enriquecimento da vida marinha normalmente é
encarado como algo exclusivamente positivo, mas também pode ter efeitos
negativos quando novas espécies são atraídas e geram um desequilíbrio local.
Quanto aos impactos sociais, o crowd de surfistas, que um fundo artificial deve
trazer, pode se tornar um ponto negativo em um local sem estrutura para
recebê-lo”, analisa o engenheiro costeiro.
O estudo ambiental e o
desenvolvimento adequado do projeto são essenciais para o êxito de um arrecife
artificial. Não se iluda, porém, parceiro. Aquela praia em que nunca entra
vala, e que o swell mais parece um vento soprando e penteando as águas de uma
lagoa, não terá onda nem sob as ordens de Netuno. Os reefs não são máquinas de
criação, eles apenas influenciam no empinamento da massa d’água e no
alinhamento da parede, transformando uma onda irregular em onda surfável.
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