sexta-feira, 30 de março de 2012

UMA RASTEIRA EM NETUNO


UMA RASTEIRA EM NETUNO
Ondas: um fenômeno da Natureza que foge do controle humano. Será? Confira.
 
Desde o mitológico Ícaro, o homem luta para dominar os ventos e, nas últimas décadas, conquistou êxitos exprssivos depois de muita ousadia e persistência. Agora, chegou a vez dos discípulos de Eddie Aikau tentarem influenciar a formação de seu bem mais precioso com a ajuda de reefs artificiais.


Craig Anderson, este sabe o que fazer com uma onda de reef.

Os cinco continentes, juntos, possuem quase 800 mil km de litoral. “Haja onda”, você pode pensar. No entanto, nem sempre é assim. Grande parte da costa mundial não apresenta boas condições para o surf, apesar de ser grande também o número de praias perfeitas, capazes de fazer a cabeça de muita gente boa com a boia debaixo dos pés. No Brasil são mais de 250 cidades espalhadas por cerca de oito mil quilômetros à beira do Atlântico, o que anima qualquer surfista à procura de ondas.
Apesar de vasta e bela, a costa brazuca, com frequência, pode deixar o marmanjo na fissura. “O Brasil tem uma carência grande de ondas de qualidade. Claro que existem alguns picos que quebram perfeitos em condições especiais, mas são poucos dias ao ano. A natureza foi um pouco ingrata conosco: na região Nordeste, onde estão os melhores fundos, as ondulações são pouco frequentes. Nas regiões Sul e Sudeste, onde as ondulações são muito frequentes, os fundos em geral são ruins”, analisa Luis Guilherme Morales de Aguiar, presidente da associação de surfistas da praia do Arpoador (RJ), o Arpoador Surf Club.
Experiências espalhadas pelo planeta dão força a uma ideia que pode ser introduzida em águas canarinhas: a construção de fundos artificiais para potencializar as ondulações. Guilherme, que também é engenheiro civil, mestre e doutorando em Engenharia Costeira na COPPE/UFRJ, comenta que “o importante é que se façam as modificações de maneira inteligente, sem causar impactos negativos que possam destruir a natureza. O tipo de ondas varia, a maré varia, e o vento varia. São infinitas combinações e conseguir dominar essas forças para formar a onda perfeita é um desafio fascinante”.

O mestre Tom Curren, muita habilidade para não afiar as quilhas no coral.

Nas regiões Sul e Sudeste, por exemplo, a massa de água que se movimenta ao longo da faixa litorânea é a mesma, tendo apenas como diferencial a bancada de cada praia, responsável pelo empinamento e quebra da ondulação. Eduardo Siegle, professor e pesquisador do Instituto Oceanográfico da USP, explica que “a onda começa a sentir o fundo do mar quando a profundidade é equivalente à metade de seu comprimento (distância entre a crista de uma onda à outra). A partir daí, ela interage com o fundo e é transformada, aumentando sua altura até finalmente quebrar”.
Esse fenômeno, que jamais havia sofrido a interferência humana de maneira efetiva, começou a ser dominado com a chegada do novo milênio. Diversas tentativas mostraram que criar um fundo artificial pode ser uma alternativa viável e de bons resultados na formação de ondas e outras benesses. Boscombe (Reino Unido), Kovalam (Índia), Mount Maunganui (Nova Zelândia) e Cable Station (Austrália) são exemplos de recifes artificiais multifuncionais que tiveram resultados, no mínimo, satisfatórios.

É pra shapear

O funcionamento dos reefs é bastante simples: quando a onda entra numa baía, as pontas laterais se movem mais devagar que a parte central, já que ela vai se entortando e se ajustando ao fundo. É algo parecido com uma fila de soldados que vira uma esquina em formação, com os soldados que estão mais perto da esquina a andarem mais devagar e os que estão longe dela a andarem mais depressa.
“A ideia é usar esse processo de refração e concentrar a energia em um ponto, o que aumentaria a altura da onda e moldaria sua consequente rebentação. Esse é o caso do recife, seja ele natural ou artificial”, enfatiza Eduardo Siegle.
Além de alinhar e “engrossar” a onda, uma bancada destas pode interagir com o meio de diversas maneiras, inclusive servindo de apoio à proteção e recuperação ambientais. Diferentes organismos se instalam na estrutura à procura de abrigo, criando um ecossistema local e uma cadeia alimentar – novos animais vão passar a frequentar o arrecife, mas fique tranquilo, tubarões famintos não aparecerão por lá, a não ser que já vivam nos arredores. O pesquisador da USP alerta para o cuidado ambiental e ressalta que um dos benefícios é que “se houver uma praia com problema de erosão, por exemplo, um recife estrategicamente colocado protege a costa, já que a onda vai quebrar mais para fora e poupar a praia”.

Nessa foto não era um reef, mas uma bancada de areia formada pelo famoso pier de Ipanema (RJ) nos anos 70, proporcionava altas esquerdas para toda um geração de surfistas cariocas - Na foto Rico de Souza.
 
Guilherme concorda com Siegle, mas alerta que projetos mal elaborados, que não levem em conta as alterações que a estrutura causa nas correntes e, consequentemente, no transporte de sedimentos, podem causar impactos indesejados, como, por exemplo, erosão e recuo da linha de costa a sotamar da estrutura ou em áreas adjacentes.
“Assim como as consequências morfológicas, todos os demais impactos podem ter aspectos negativos que devem ser quantificados. Por exemplo, o enriquecimento da vida marinha normalmente é encarado como algo exclusivamente positivo, mas também pode ter efeitos negativos quando novas espécies são atraídas e geram um desequilíbrio local. Quanto aos impactos sociais, o crowd de surfistas, que um fundo artificial deve trazer, pode se tornar um ponto negativo em um local sem estrutura para recebê-lo”, analisa o engenheiro costeiro.
O estudo ambiental e o desenvolvimento adequado do projeto são essenciais para o êxito de um arrecife artificial. Não se iluda, porém, parceiro. Aquela praia em que nunca entra vala, e que o swell mais parece um vento soprando e penteando as águas de uma lagoa, não terá onda nem sob as ordens de Netuno. Os reefs não são máquinas de criação, eles apenas influenciam no empinamento da massa d’água e no alinhamento da parede, transformando uma onda irregular em onda surfável.

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