quinta-feira, 8 de março de 2012

TEXTO SEM CONTEÚDO


TEXTO SEM CONTEÚDO

A mulher do surfista
 
Este texto infeliz foi publicado por um editor executivo de Esportes e colunista de Zero Hora, além de comentarista da TVCOM, Rádio Gaúcha e Atlântida, o nome dele: DAVI COIMBRA.

 

Há homens que dizem não conhecer o significado da palavra medo. Há homens que não conhecem o significado da palavra celulite. São os surfistas. Não quaisquer surfistas, bem entendido. Os bons. Os de campeonato. As mulheres desses surfistas são inverossímeis mulheres desprovidas de celulite. Uma delas foi avistada dias atrás, dentro de seu shortinho, nas cercanias da plataforma de Atlântida.
Causou comoção.
Mulheres de surfistas são como mulheres de músico. A mulher do músico chega ao bar, senta-se sozinha, pede um guaraná, levanta o queixo e fica assistindo ao show. Todos os homens reparam nela. Comentam. Tecem teses. Os mais arrojados tentam aproximação. Invariavelmente, dão-se mal. A mulher do músico os rechaça e, do alto do palco, o músico sorri um meio sorriso de superioridade.
Mulher de surfista, a mesma coisa. Ela fica sentada na areia, sozinha nas miudezas do seu biquíni. Se algum gaiato
se aproxima, ela aponta para o mar espumante. O sujeito ergue a cabeça e vê aquele rapagão saindo d’água feito um Namor, o Príncipe Submarino. Maldição.
Normal que sejam assediadas, as mulheres dos músicos e as dos surfistas. Não apenas porque em geral estão sozinhas, mas porque em geral são belas. Sobretudo as dos surfistas, essas mulheres sem celulite.
Não vai aí nenhuma crítica à mulher com celulite, ressalte- se. A celulite faz parte do corpo da mulher neste tempo de refrigerantes gaseificados. Algumas, bem localizadas, são até graciosas. Um dos meus amigos do Pretinho Básico não admite mulheres descelulitadas. Acha que a celulite humaniza a mulher, e desconfia da que não possua quaisquer acidentes geográficos na pele, embora não conheça nenhuma que seja assim.

Não chego a tanto, mas também não fico reparando em celulites módicas, desde que elas sejam, bem, módicas.
Para os grandes surfistas, no entanto, a celulite é desclassificatória. As carnes de suas mulheres são rijas, suas nádegas têm a firmeza das convicções religiosas, suas ilhargas são lisas e límpidas como o caminho da virtude.
Foi uma dessas mulheres, uma jovem de pernas longas como uma garça, de cabelos negros retintos, de pele de morenice carioca, foi uma dessas pequenas Afrodites do Atlântico Sul que estava, dias atrás, deitada langorosa sobre uma canga, nas proximidades da plataforma de Atlântida. A tarde caía mormacenta, a praia esvaziava-se devagar, e ela permanecia em seu posto, fitando o horizonte. Olhava para as ondas.
Obviamente, uma mulher de surfista.
Um grupo deles, de surfistas, equilibrava-se nas pranchas lá longe, depois da segunda arrebentação. Pareciam pequeninos, vistos da areia. Foi justamente a distância que motivou um conhecido combatente da noite porto-alegrense a se aproximar da menina solitária. Trata-se, esse velho lobo dos bares da cidade, de um tipo ilustrado, um aristocrata lido, viajado, conhecedor de vinhos e charutos. Um tipo que agrada as mulheres.
– Vou lá – anunciou aos amigos.
– É mulher de surfista – avisou um.
– Eu sei, mas olha onde estão os surfistas – apontou para o mar escuro.
– Não voltam antes de meia hora. É tempo suficiente. Esses caras são todos umas bestas, não conseguem completar uma frase inteligível. Essa menina nunca teve 15 minutos de conversa de verdade com um homem.
Antes que o outro contra-argumentasse, a menina pôs-se de pé. Vestia um short curto amarrado por uma cordinha e uma blusa branca de alças delgadas. Ajeitou os longos cabelos pretos com graça felina, e todos os homens num raio de cem metros se arrepiaram. Era o que bastava para o velho lobo dos bares se decidir. Ele foi.
Não se pode acusá-lo de falta de empenho. Todos viram como falou, argumentou e gesticulou ao lado da moça. Em vão. Ela nem sequer moveu o olhar do mar. Dispensou-o de forma delicada, mas decidida. Retornou derrotado, o velho lobo, e desdenhoso:
Essas gurias gostam mesmo é dos burrões.
Naquele momento, o burrão em questão emergiu das ondas. Caminhou até a morena, sorrindo, e sorrindo beijou-a na boca. Fez aterrissar a prancha na areia, secou-se com uma toalha que ela lhe estendeu, trocaram algumas frases, isso tudo sob as vistas da turma de amigos do velho lobo dos bares. Então, o surfista enfiou a mão na sacola de pano que estava ao lado da menina e de lá sacou algo que surpreendeu a todos.
Um livro. Um volume com encadernação de couro, que ele abriu e pôs-se a ler. Os amigos, perplexos, avançaram alguns passos para ver o título. Viram, estupefatos: “Os Irmãos Karamazov”.

Dostoievski.

O surfista lia Dostoievski e tinha a lhe esperar, na areia, uma dessas Afrodites sem celulite.

Não. A vida praiana não é justa.

INFELIZMENTE O CARA QUE ESCREVEU ESTA BESTEIRA É COLUNISTA DE UM  JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO NO SUL DO BRASIL

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