TEXTO SEM CONTEÚDO
A mulher do surfista
Este texto
infeliz foi publicado por um editor executivo de Esportes e colunista de Zero Hora,
além de comentarista da TVCOM, Rádio Gaúcha e Atlântida, o nome dele: DAVI
COIMBRA.
Há homens que dizem não conhecer
o significado da palavra medo. Há homens que não conhecem o significado da
palavra celulite. São os surfistas. Não quaisquer surfistas, bem entendido. Os
bons. Os de campeonato. As mulheres desses surfistas são inverossímeis mulheres
desprovidas de celulite. Uma delas foi avistada dias atrás, dentro de seu
shortinho, nas cercanias da plataforma de Atlântida.
Causou comoção.
Mulheres de surfistas são como
mulheres de músico. A mulher do músico chega ao bar, senta-se sozinha, pede um
guaraná, levanta o queixo e fica assistindo ao show. Todos os homens reparam
nela. Comentam. Tecem teses. Os mais arrojados tentam aproximação.
Invariavelmente, dão-se mal. A mulher do músico os rechaça e, do alto do palco,
o músico sorri um meio sorriso de superioridade.
Mulher de surfista, a mesma
coisa. Ela fica sentada na areia, sozinha nas miudezas do seu biquíni. Se algum
gaiato
se aproxima, ela aponta para o
mar espumante. O sujeito ergue a cabeça e vê aquele rapagão saindo d’água feito
um Namor, o Príncipe Submarino. Maldição.
Normal que sejam assediadas, as
mulheres dos músicos e as dos surfistas. Não apenas porque em geral estão
sozinhas, mas porque em geral são belas. Sobretudo as dos surfistas, essas
mulheres sem celulite.
Não vai aí nenhuma crítica à
mulher com celulite, ressalte- se. A celulite faz parte do corpo da mulher
neste tempo de refrigerantes gaseificados. Algumas, bem localizadas, são até
graciosas. Um dos meus amigos do Pretinho Básico não admite mulheres
descelulitadas. Acha que a celulite humaniza a mulher, e desconfia da que não
possua quaisquer acidentes geográficos na pele, embora não conheça nenhuma que
seja assim.
Não chego a tanto, mas também não
fico reparando em celulites módicas, desde que elas sejam, bem, módicas.
Para os grandes surfistas, no
entanto, a celulite é desclassificatória. As carnes de suas mulheres são rijas,
suas nádegas têm a firmeza das convicções religiosas, suas ilhargas são lisas e
límpidas como o caminho da virtude.
Foi uma dessas mulheres, uma jovem
de pernas longas como uma garça, de cabelos negros retintos, de pele de
morenice carioca, foi uma dessas pequenas Afrodites do Atlântico Sul que
estava, dias atrás, deitada langorosa sobre uma canga, nas proximidades da
plataforma de Atlântida. A tarde caía mormacenta, a praia esvaziava-se devagar,
e ela permanecia em seu posto, fitando o horizonte. Olhava para as ondas.
Obviamente, uma mulher de
surfista.
Um grupo deles, de surfistas,
equilibrava-se nas pranchas lá longe, depois da segunda arrebentação. Pareciam
pequeninos, vistos da areia. Foi justamente a distância que motivou um
conhecido combatente da noite porto-alegrense a se aproximar da menina
solitária. Trata-se, esse velho lobo dos bares da cidade, de um tipo ilustrado,
um aristocrata lido, viajado, conhecedor de vinhos e charutos. Um tipo que
agrada as mulheres.
– Vou lá – anunciou aos amigos.
– É mulher de surfista – avisou
um.
– Eu sei, mas olha onde estão os
surfistas – apontou para o mar escuro.
– Não voltam antes de meia hora.
É tempo suficiente. Esses caras são todos umas bestas, não conseguem completar
uma frase inteligível. Essa menina nunca teve 15 minutos de conversa de verdade
com um homem.
Antes que o outro
contra-argumentasse, a menina pôs-se de pé. Vestia um short curto amarrado por
uma cordinha e uma blusa branca de alças delgadas. Ajeitou os longos cabelos
pretos com graça felina, e todos os homens num raio de cem metros se
arrepiaram. Era o que bastava para o velho lobo dos bares se decidir. Ele foi.
Não se pode acusá-lo de falta de
empenho. Todos viram como falou, argumentou e gesticulou ao lado da moça. Em
vão. Ela nem sequer moveu o olhar do mar. Dispensou-o de forma delicada, mas
decidida. Retornou derrotado, o velho lobo, e desdenhoso:
– Essas gurias gostam mesmo é dos
burrões.
Naquele momento, o burrão em
questão emergiu das ondas. Caminhou até a morena, sorrindo, e sorrindo beijou-a
na boca. Fez aterrissar a prancha na areia, secou-se com uma toalha que ela lhe
estendeu, trocaram algumas frases, isso tudo sob as vistas da turma de amigos
do velho lobo dos bares. Então, o surfista enfiou a mão na sacola de pano que
estava ao lado da menina e de lá sacou algo que surpreendeu a todos.
Um livro. Um volume com
encadernação de couro, que ele abriu e pôs-se a ler. Os amigos, perplexos,
avançaram alguns passos para ver o título. Viram, estupefatos: “Os Irmãos
Karamazov”.
Dostoievski.
O surfista lia Dostoievski e
tinha a lhe esperar, na areia, uma dessas Afrodites sem celulite.
Não. A vida praiana não é justa.
INFELIZMENTE O CARA QUE ESCREVEU ESTA BESTEIRA É COLUNISTA DE UM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO NO SUL DO BRASIL
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