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Primeira Prancha a Gente Nunca Mais Esquece
1969. Não tirava o olho do mar. Minha família tinha um apartamento
no Guarujá, no prédio Perequê, 4º andar, e eu ficava horas olhando lá de cima,
hipnotizado pelas ondas de Pitangueiras. Foi meu primeiro contato com o surf.
De férias, minha avó me levava pra praia todo dia, mas eu não queria saber nem
de baldinho nem de castelo de areia. Meu negócio era ficar olhando os caras
surfar. Mais que isso, pois eu sempre dava um jeito de tirar uma casquinha.
Fred d`orey num cutback |
Sem estrepe, quando os caras
caíam, os longs vinham sempre até a beira e eu já tava ali a postos pra
resgatar as pranchas. Só que ao invés de devolver pro dono, eu saía remando na
outra direção pra aproveitar uns poucos segundos a mais boiando naquele navio.
Nem todo mundo encarava com o mesmo bom humor o abuso daquele moleque de seis
anos e cheguei a levar uns cascudos pela reincidência. Mas valeu, fui picado
pela mosca do surf. E fiquei tão obcecado que revirei a garagem do prédio e
encontrei o longboard que achava ser de um primo (mistério, anos depois esse
primo me disse nunca ter tido uma prancha!!). Com a ajuda do zelador, arrastava
a prancha pelo asfalto e ficava ali na beirinha pegando as minhas primeiras
espumas.
1971. Com apenas nove anos, meu pai não ia me dar uma prancha de
fibra nunca. Ganhava muito autorama, monopólio, bola de futebol e bicicleta,
mas nada de prancha. Eu morava na Francisco Otaviano, pertinho do Arpoador,
pertinho do Pier, onde tudo acontecia, bem no olho do furacão, e imagino que a
fama de maconheiros dos surfistas não deva ter ajudado muito minha nobre causa.
Mas arrisquei pedir uma prancha de isopor, e me dei bem. Ganhei uma Copacabana,
que tinha duas canaletas e que dava pra encaixar o pé direitinho ali no meio.
Minha turma pegava onda de isopor que nem gente grande, dropava atrás da pedra,
dava batida e oscambaus. Foi bem nessa época que começou a vigorar aquela
portaria infame que proibia o surf depois das nove da manhã. E a galera tirava o
maior proveito dessa história, perturbando os salva-vidas pra eles tirarem logo
os caras de fibra do mar pra gente surfar sem aquela concorrência desleal.
Ganhei muita pagada dos surfistas mais velhos, mas lei é lei e o pico era
nosso. Eis que, num final de tarde, pára um maluco desgrenhado, olha pra minha
Caloi velha de guerra e diz: "Tô precisando de um camelo. Quer trocar na
minha prancha?". Saltei da bicicleta na hora e peguei a prancha, um toco -
verdade seja dita, mas era minha primeira prancha. E só minha. Ou quase. Antes
eu tinha um problema técnico a resolver, não podia aparecer em casa com ela,
pois meu pai não ia deixar. Foi assim que o Jefferson virou meu
"sócio" na prancha. O cara era o melhor surfista da nova geração de
isopor, mandava no pico e morava no quartel de Copacabana, vista para o Pontão
do Arpex. "Nossa" prancha ficava na casa dele e durou um mês, quando,
depois de ser esfolada até a última gota, partiu ao meio no Diabo. Já era
surfista. E sabia.
1972. Depois de muito implorar, e contra a opinião de familiares
conservadores e amigos caretas, ganhei uma prancha novinha de aniversário
quando completei dez anos. Meu pai fez suspense até o último segundo, mas na
volta do colégio São Vicente, eu ainda de uniforme, fomos andando até a atual
Galeria River, entramos na Surf Shop Tubo e ele me disse pra escolher. Como não
entendia nada de nada, fui pela que eu achava mais bonita. Ela era uma single
fin, roxa com rosa, se chamava Pacific Vibrations e media 7'5". E era tudo
o que eu sonhava. Naquela noite, depois de passar parafina nela toda, a prancha
dormiu comigo na cama. Felicidade pouca é bobagem, aquilo é que era vida. Meu
Deus, eu tinha uma prancha novinha só pra mim. O ônibus do colégio passaria às
7h10. Tinha que ser rápido. Acordei a empregada às 5h45, que contrariada e
resmungando sem parar, me ajudou a carregar a prancha até o Arpoador. Não tinha
alma viva na praia. Chovia, vento sul, mar todo encarpelado, meio metro nas
séries. Mas pra mim tava era perfeito. Entrei no mar e fiquei pegando uma atrás
da outra até a areia. 6h45 e Maria gritava feito uma louca pra eu sair, que eu
tinha escola, que ela ia ser demitida, que tava frio. Subi no ônibus escolar
mordendo um sanduíche e rindo sozinho. Aquela não seria a última vez que eu
iria pra escola ainda salgado do surf. Disso eu tinha certeza.
Por Fred d'Orey.
Um abração Fred , você e o Tinguinha Lima são cheios de causos para contar.
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