Ei, você é surfista?
Por Tulio Brandão
Outro dia fui tomar um café com o
diretor de uma empresa conhecida por padrões corporativos rígidos. O papo
seguia firme dentro da cartilha: falávamos de mercado, das questões ambientais
de grandes indústrias, de comunicação...
De repente, um corte na linha: “você
não é o colunista de um site de surf ? Eu também surfo.” Dentro de uma sala de
reunião decorada com a missão de dar um tom sóbrio ao ambiente, um silêncio
cúmplice prevaleceu por dois ou três segundos. Percebi como aquele diálogo era
ao mesmo tempo surpreendente e atual. Os surfistas estão saindo da toca.
O papo em instantes ganhou a
leveza da água salgada, com histórias sobre ondas, o mercado do surf e, claro,
sobre a etapa prime de Margaret River. “Altas ondas, não?”, disse o surfista
por trás do terno de corte elegante.
No dia seguinte, foi a vez de uma
reunião com um cliente. Advogado, acostumado a trajes formais, ele entendeu que
num Rio de 38 graus não há traje mais adequado que uma bermuda alinhada. O
cliente, claro, também é surfista, mas não trabalha na beira da praia: entre
outras atividades, ele tem um escritório de advocacia.
Contei a ele a história da
véspera, do café com o tal diretor da companhia. Um avanço no espaço que o
surfista ocupa no mundo. O cliente concordou, e riu ao lembrar que conhece
vários juízes togados que ainda não conseguiram sair da toca: “Eles dizem que
ser surfista e juiz de Direito não combina.
Eu sempre pergunto:
como assim?”
Eu também conheço profissional
que não se assume surfista. Certa vez, fiz uma surf trip com um alto executivo
de multinacional. Na volta, queria escrever uma matéria sobre a viagem para um
jornal de grande circulação e usar meu
parceiro de viagem como personagem. Não pude. “Entenda, o presidente da empresa
tem preconceito.”
Sorte que há cada vez mais presidentes
em cima da prancha.
Um amigo, parlamentar e surfista
fissurado, é outro exemplo: passou anos escondendo do mundo e dos eleitores sua
alma de surfista. Pode ter deixado de ganhar votos por isso.
A conquista do surfista é a
conquista de minorias. Lembra a conquista da mulher. Teremos, um dia, um
surfista no lugar de Dilma? Pouco provável. A pilha de quem ama o mar não é o
poder.
O surfe ainda é o tema na mesa do
Jobi, onde encontro dois amigos: um surfista profissional brilhante e um sagaz
economista. A vida deles é um pouco diferente: eles ganham com a imagem do
surfista. A dupla se desdobra para produzir um programa de tevê que retrate o
estilo de vida de todos nós, do diretor ao advogado, do vagabundo ao
empresário.
O trabalho é muito bem feito, e
impressiona até os que nunca entraram na água. Graças a programas como esse,
ficou mais fácil para o surfista sair da toca num ambiente corporativo. A dupla
responsável pelo trabalho vive bem, pegando onda pelo mundo afora, mas ainda
paga um preço: é difícil ganhar dinheiro trabalhando com o surf. Por enquanto,
o caminho para quase todo mundo – salvo poucos eleitos – é ser o surfista da
firma.
Nenhum dos personagens citados na
coluna foi identificado, embora ninguém tenha me pedido isso. É só uma
homenagem aos milhares de anônimos que acordam cedo todos os dias para pegar
onda e, depois, dentro de um terno ou de qualquer outra armadura, passam o dia
tentando esconder a felicidade que nasceu na melhor onda da última sessão.
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