quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

HOMENAGEM A PEPÊ LOPES


HOMENAGEM A PEPÊ LOPES
Por: Cristiane Moraes / Verão Sem Fim



Pepê ataca o lipe da onda no Arpoador em sua vitória no Waimea 5000 em 1976
Um dos nomes mais importantes dos esportes radicais do Brasil e Campeão do Waimea 5000, primeira etapa do Mundial disputada no País, em 1976, Pepê Lopes faleceu em 1991. Um dos responsáveis pelo retorno do Circuito ao Brasil no final da década de 80, ídolo de uma geração, Pepê será homenageado no Verão Sem Fim. Uma exposição de fotos na sede Barra vai lembrar momentos de sua vida e a organização entregará para Daniel Friedman e Cauli Rodrigues, que disputarão uma bateria especial, troféus com o nome do eterno campeão.
Leia a história de Pepê Lopes em texto do jornalista especializado em surf Rosaldo Cavalcanti.
“Cada vez que eu vôo,dou graças a Deus por ser carioca”.

Pedro Paulo Guise Carneiro Lopes, o Pepê, (1957–1991)
Pepê foi campeão como cavaleiro, surfista e voador. Saltava, surfava e voava alto. E teve uma trajetória brilhante em quase tudo que fez. Ainda garoto já gostava de competir e de ganhar. Tinha estrela e carisma. Pinta de campeão.
Em 1970, aos 13 anos de idade, foi bi-campeão carioca mirim de hipismo. No surf, Pêpe começou a forjar a lenda que gira em torno do seu nome no Pier de Ipanema, um pouco depois do início da década de 70. Na época, ele não passava de um pirralho que acordava cedo e caminhava, com sua prancha debaixo do braço e seus cabelos loiros balançando ao vento, pelas areias de Ipanema.
Pepê gostava de saltar da ponta do Pier pra dentro d’água. E surfava sem medo, muitas vezes sozinho, as ondas que quebravam a poucos metros da estrutura de ferro que sustentava as colunas do Píer.
De acordo com Popô, irmão mais novo de Pepê, “ele sempre foi muito corajoso.” Segundo Popô, “o Pepê não tinha medo de nada. Só de rato. Aí, ele saia correndo, ou então subia em cima de uma cadeira.” Lembra rindo.
De certa forma, Pepê sempre esteve à frente do seu tempo. O respeito à natureza, o culto ao corpo baseado numa alimentação natural, eram algumas de suas características. “Ele sempre foi muito disciplinado. Acordava cedinho e nunca usou drogas.” Conta Popô.
Em 72, com 15 anos, Pepê venceu a categoria jr. do campeonato do Pier de Ipanema. Com 17 foi para o Havaí e se jogou nas grandes, perigosas e tubulares ondas havaianas. Pepê parecia não se importar com o tamanho das ondas que surfava. Seu estilo arrojado chamou a atenção dos havaianos e logo ele conquistou o respeito e a admiração dos locais.

Pepê Lopes aos 13 anos
De volta ao Brasil, em 1975 Pepê disputou o Festival Nacional de Surf, na praia de Itaúna, em Saquarema. Era a primeira vez que um campeonato de surf reunia os melhores surfistas do Brasil para disputar o título brasileiro. Num mar que ficou famoso pelo tamanho descomunal de suas ondas, Pepê foi o único dos finalistas que conseguiu varar a arrebentação e  acabou vencendo a categoria Jr. Betão foi o campeão na senior.
Em 1976 foi criado o circuito mundial de surf com provas na Austrália, África do Sul, Havaí e Brasil. Disputada no Arpoador, a etapa brasileira foi batizada de ‘Waimea 5000’ por conta dos seus 5 mil dolares de prêmio. Na final, Pepê derrotou o americano Jeff Crawford e entrou para a história como o primeiro surfista brasileiro a vencer uma prova do circuito mundial. Em 1976, o carioca Daniel Friedman foi um dos 5 finalistas do ‘Waimea 5000’. “Eu e o Pepê éramos os únicos brasileiros na final.” Recorda-se Daniel. Além de Pepê e Daniel, e do americano Jeff Crawford, os havaianos Timmy Carvalho (3º colocado) e Buzzy Kerbox (4º colocado) disputaram aquela final. “Nós planejamos uma estratégia antes da bateria começar”. Revela Daniel. “Combinamos que iríamos tentar dominar o pico e não deixar os ‘gringos’ pegar as melhores ondas. Deu certo e o Pepê ganhou. Depois, dividimos o prêmio”.
Neste mesmo ano de 1976, Pepê, então com 19 anos, recebeu um convite para disputar o Pipeline Masters. Somente 18 surfistas foram convidados e o campeonato foi disputado em apenas duas fases. Na eliminatória, foram realizadas três baterias, cada uma delas com seis surfistas. Os dois primeiros colocados se classificaram para a final. Na eliminatória, Pepê enfrentou o havaiano Rory Russel, os australianos Mark Warren e Peter Townend – que seria campeão mundial em 1976 -, o sul africano Shaun Tomson e o americano Jeff Crawford, que ele havia derrotado no Arpoador, na final do Waimea 5000 daquele ano. Pêpe acabou se classificando em segundo lugar, atrás de Rory Russel.
Seis surfistas chegaram à final do Pipeline Masters de 1976: Rory Russell (HAW), Gerry Lopez (HAW), Paul Naude (AFS), Mark Richards (AUS), Mike Armstrong (EUA) e Pepê. Mesmo tendo surfado uma das melhores ondas da final, Pepê não se deu bem e acabou em 6º lugar. Rory Russel derrotou Gerry Lopez e ficou com o título do Pipeline Masters daquele ano. Na época, Russel e Lopez travavam um duelo particular pelo título de ‘melhor em Pipeline’. O sul africano Paul Naude ficou em terceiro, o australiano Mark Richards em quarto e o Americano Mike Armstrong em quinto.
No ano seguinte, Pepê chegou novamente à final do Waimea 5000, que em 1977 foi disputada no Quebra mar da Barra da Tijuca. E novamente ele iria enfrentar Daniel Friedman na final da etapa brasileira do circuito mundial. Porém, desta vez, a bateria seria disputada num novo formato: o ‘homem a homem’. Criado no início da temporada 77, o sistema ‘homem a homem’ foi inventado pelo australiano Peter Drouyn, e é até hoje utilizado no circuito mundial. “Ao contrário do ano anterior, em 77 olhamos um para o outro e decidimos dar o melhor de nós.” Daniel acabou vencendo o campeonato. “De qualquer maneira, tanto pra mim quanto pra ele, aquele momento foi muito importante. Que eu saiba, até hoje foi a única final 100% brasileira na primeira divisão.” Arrisca Daniel.
Em 1979, Pepê começou a voar de asa delta e o voo livre virou sua nova paixão. Como voador Pepê manteve o mesmo estilo arrojado que o consagrou como um dos surfistas mais corajosos do mundo.
A partir de então, Pepê passou a frequentar a praia do Pepino, no canto direito de São Conrado, onde pousavam os pilotos que decolavam da Pedra Bonita. Foi em São Conrado que nasceu a barraca do Pepê, que logo se trasformou em point de encontro da geração 80. Na sua barraca, Pepê vendia sanduíches naturais que tinham pasta de frango, beterraba, cenoura, pepino, broto de alfafa, alface e pão integral na receita. Algo que pode parecer comum nos dias de hoje, mas que foi uma revolução na época.
Ao longo da década de 80, sua carreira de empresário se misturou com as competições de voo livre. Em 1981, no Japão, Pepê conquistou o título de campeão mundial de voo livre. Em 1984, durante uma competição em Governador Valadares, sofreu um acidente ao fazer um pouso forçado. Perdeu o baço e um rim. Recuperado, ele voltou a voar e a desafiar a lei da gravidade. Uma de suas especialidades como atleta.
Em abril de 1991, dez anos depois de ter se tornado campeão mundial, Pepê voltou ao Japão afim de conquistar o bicampeonato mundial de voo livre. Popô lembra de um momento que ficou marcado na sua memória: “Meu pai tinha pedido pro Pepê parar de se arriscar. Afinal de contas, ele tinha dois filhos e precisava criá-los”. No aeroporto do Rio, um pouco antes de embarcar para o Japão, Pepê chamou seu pai num canto e prometeu: “Esta será a minha última competição. Depois desta eu vou parar.” – prometeu. E, infelizmente, cumpriu a promessa.


Pepê pronto para decolar
No Japão, a prova final do campeonato mundial de voo livre de 1991 seria um voo de 100 quilômetros de Wakayama até Kushimoto. Pepê tinha começado mal no campeonato, mas havia se recuperado e já estava em 2º lugar na classificação geral. Porém, o mal tempo tornou as condições extremamente perigosas. Mesmo para os melhores e mais corajosos pilotos de asa delta do planeta.
O australiano Steve Blenkinsop, que estava liderando a disputa até aquele momento, sugeriu que os organizadores adiassem a prova, mas Pepê foi contra. Ele achava que era possível decolar, voar e conquistar mais um título mundial antes de se aposentar como competidor.
Depois de muita controvérsia, Pepê e Blenkinsop decolaram. Os dois foram seguidos por um piloto japonês, que estava em 3º lugar na classificação geral. Graças `as díficeis condições metereológicas, após duas horas de voo os três pilotos só haviam conseguido cobrir uma distância de, aproximadamente, 17 quilômetros. Em condições normais, o mesmo tempo permitiria um voo de uns 200 quilômetros.
De repente, as três asas começaram a perder altitude e Pepê acabou batendo contra um paredão de rocha. Sua asa não suportou a presão. Depois de cair de uma altura muito grande, Pepê atingiu o solo com oito costelas quebradas e uma hemorragia interna. Ferido de morte, ele passou os últimos, e provavelmente os piores, momentos de sua vida ao lado de Steve Blenkinsop, que vinha voando atrás e pousou em cima das árvores para tentar salvar o brasileiro. Quando o helicóptero de resgate chegou, duas horas e meia depois, já era tarde demais. Pepê morreu como viveu, desafiando o perigo.
Em 1992 a Fédération Aéronautique Internationale (FAI) instituiu a medalha de honra “Pepe Lopes”, conferida àqueles que se arriscam na tentativa de ajudar um companheiro acidentado. O primeiro ganhador desta medalha foi ninguém menos do que Steve Blenkinsop. Desde então, apenas 4 outros pilotos receberam esta honraria.
Além de atleta de ponta, Pepê também foi um empresário de sucesso, inicialmente como fabricante de pranchas. Nos anos 70, junto com seu amigo George Preytman, criou a marca ‘Pripe’ (uma mistura dos nomes Preytman e Pepê). “Pepê era muito talentoso e muito bom de negócio” – afirma George. Depois, Pepê se juntou a um outro amigo, Marcos Berenguer, e os dois passaram a fabricar as pranchas Pepê. “Fizemos mais de duas mil pranchas juntos. Eu e o Pepê shapeávamos e o Murilão laminava.” – revela Berenguer.
A Barraca do Pepê foi um de seus primeiros negócios depois que fechou a fábrica de pranchas. “A barraca foi criada por ele para vender produtos naturais para surfistas e praticantes de voo livre.” Explica Popô. Atualmente, a Barraca do Pepê não fica mais no canto direito de São Conrado, e sim na praia do Pepê, um trecho da Barra da Tijuca que se tornou um ponto de encontro de muitos cariocas.
Pepê também era ousado empreendedor e tinha vários negócios, entre eles um restaurante japonês (Sushi Leblon) e a licença da ASP para realizar a única etapa do circuito mundial de surf no Brasil, que ele tocou de 1988 até morrer. Segundo Popô, “quando morreu Pepê tinha 14 empresas”.
Pepê também era músico e compositor. “Ele deixou um disco pronto. A maioria das músicas foram compostas por ele mesmo.” Revela Popô. Quando morreu, Pepê era casado com Ana Carolina e pai de Bianca e João Pedro. Os dois filhos eram muito pequenos quando o pai morreu. “O João Pedro gosta de conversar com o avô e perguntar sobre o Pepê” – conta Popô.
Depois da sua morte, um trecho da praia da Barra da Tijuca e uma avenida no mesmo bairro foram batizados com o nome de Pepê. Em 1992, o Projeto de Lei 1804/92, da Vereadora Neuza Amaral, decretou a instalação de um monumento à memoria de Pepê na avenida que leva seu nome.


Pepê Lopes
EU E PEPÊ

Pepê nasceu em 1957, portanto 6 anos antes do que eu.  Em 1977, eu tinha 14 anos, assistir uma aula de voo livre num lugar onde muitos pilotos de voo livre aprenderam a voar. A aula consistia de uma série de decolagens feitas de cima de um morrote. Naquele dia, Pepê acabou quebrando o braço. E eu cheguei a conclusão que aquele esporte era perigoso demais.
Na época, eu já morava e surfava no Arpoador, enquanto o Pepê morava com os irmãos e os pais na antiga Rua Montenegro – hoje Vinicius de Moraes – no quarteirão da praia. Pertinho da minha casa.
Pepê era mais velho que a minha turma, na época um bando de adolescentes fissurados em surf, mas o Popô era um dos nossos. E a gente, inevitavelmente, vivia comparando os surfistas da época. Quem era o melhor? Pepê ou Daniel (Friedman)?
Ao contrário do Daniel, este sim um estilista, Pepê nunca teve muita técnica. Tinha sim muita disposição. E uma estrela que brilhava na hora certa.
Na verdade, seu estilo não era nada bonito. E no ‘free surf’ ele caia muito da prancha. Eu perguntava pro Popô como o Pepê podia ganhar tantos campeonatos caindo daquele jeito. E o Popô respondia, convicto: “Na bateria ele não cai”. Era verdade, na hora da competição Pepê se transformava numa máquina de vencer. Vinha manobrando sua prancha até a areia e não costumava amarelar pra ninguém. Em 76 derrotou a fera Jeff Crawford nas esquerdas do Arpoador. E olha que o americano da Florida arrepiou as canhotas do Arpex. No ano seguinte, só foi parado por Friedman na final do Waimea 5000. O irmão mais velho do meu amigo era mesmo “o cara”!
Eu estava na California no dia em que o Pepê morreu. Ouvi a notícia pelo telefone e fiquei chocado. Foi díficil acreditar. Hoje, 20 anos depois, eu lembro dele como alguém predestinado. Que viveu muito em pouco tempo. E que deixou uma marca indelével nas mentes e nos corações daqueles que o conheceram.

Rosaldo Cavalcanti

Pepê Lopes Nosso eterno Campeão e menino do Rio

Blog Homem ao mar surf por toda vida



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