segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

CONTOS DE VERÃO


CONTOS DE VERÃO

Os primeiros raios de sol invadiram a casa, juntamente com o alegre cantar dos pássaros. Guto levantou-se e foi até a janela. Encheu os pulmões com o ar puro da manhã, e os olhos com a beleza do verde que circundava a casa. A distância, via-se a areia se estendendo até as águas espumantes do mar agitado. Ondas. As maravilhosas ondas, com seus dorsos desafiadores. Ondas quase indomáveis.
Deixou a janela e caminhou até a prancha, encostada delicadamente à parede do quarto. Correu sua mão carinhosamente por sua superfície colorida. O gesto pareceu levantar o pó de uma doce lembrança: Galega. Suave e envolvente como a brisa do mar, linda como um pôr-do-sol.
Guto conhecera Galega durante uma temporada de verão, há dois anos.  Menina do inteiror do Rio Grande do Sul, romântica como ele , amante da poesia e da natureza, deixara-o encantado, desde o primeiro momento em que a viu. As lembranças afloraram à sua mente, num rápido flashback; depois, foram-se encadeando, ordenadamente, a partir de um ponto no passado. Estranho associar Galega a uma lembrança do passado. Desprezando o caráter puramente cronológico do tempo, as lembranças dela lhe pareciam tão frescas como as rosas do pequeno canteiro, ainda úmidas do orvalho da noite.
Galega viera de Brochier Rio grande do Sul e passava as férias com a tia, para felicidade da prima, que assim teria uma companhia de sua idade, quando fossem para a casa de praia, em Balneário de Camboriú . Freqüentava o último ano do 2º grau e trabalhava em  uma firma  de sua mãe. O futuro parecia lhe acenar para uma grande administradora. Não tinha namorado. Não que tivesse dificuldade em despertar o interesse dos rapazes. Era alegre, comunicativa, muito atraente. Tinha cabelos loiros, e seus olhos eram verdes: uma combinação exótica que realçava seus encantos. Os lábios rosas e sensuais, quando se abriam num sorriso, deixavam entrever os dentes de imaculada brancura. Os cabelos loiros, bem cuidados, deixavam livre o pescoço, adornado com um belíssimo cordão de prata. Uma pequena jóia em forma de coração pendia-lhe sobre o colo, que um decote mal disfarçava. Tinha consciência de que os homens a cobiçavam, mas era de opinião que cada coisa na vida devia chegar no seu devido tempo. Por ora, o mais importante eram os estudos. Namoro e casamento tinham estado fora de cogitação... até aparecer Guto em sua vida.
Galega conhecera Guto numa  praia de Santa Catarina. Estava fazendo um lanche num trailer, quando ele se aproximou, com alguns amigos. Era um desses rapazes afeitos ao contato com a natureza, principalmente com o mar. O sol de muitos verões havia fixado em sua pele aquela tonalidade de bronze . Filho de uma família tradicional do Rio de Janeiro, cursava Eng. Naval. Amava a profissão de Eng. Naval tanto quanto amava o surfe, seu hobby preferido. Metade de seu coração estava no mar. Orgulhava-se em declarar que não pegava ondas: media forças com elas. E as domava sempre. Não havia ainda experimentado a emoção do amor por uma mulher. No mundo do surfe, as mulheres são uma raridade. Na verdade, ainda não havia conhecido nenhuma surfista.
Galega acabou se envolvendo com o rapaz. Após breve resistência, rendeu-se ao amor. Não tardou muito a perceber que não poderia ter Guto por completo. Parte dele era inatingível. A parte de sua vida que ela não poderia compartilhar com ele.
Guto se transformava, quando em presença do mar. Na realidade, ao pegar sua prancha. parecia entrar em outra dimensão. A mão que. antes, segurava carinhosamente, a de Galega , ia-se tomando fria, sem vida. Primeiro, ele se ausentava em espírito. Depois, a pressão de sua mão ia diminuindo, até cessar todo o contato. Afastava-se então rumo às ondas, como que fascinado. Ele e a sua prancha. Ela deixava-se ficar lá, sentada sob a barraca, que a abrigava de um sol inclemente. O mar encapelado, razão da timidez cautelosa do banhista comum, era uma atração irresistível para os audaciosos surfistas.
Guto se destacava, com suas acrobacias criativas, numa exibição impecável. Distante, isolado em seu próprio universo, não obstante a presença de dezenas de turistas, cujos aplausos entusiasmados esbarravam na fria indiferença daqueles desportistas do mar. Aquela turba na areia aplaudia sem conhecer pessoalmente as emoções que envolviam aquele esporte. Acreditavam agradar com seus aplausos, quando surfar é gratificante por si mesmo. Um outro tipo de gente aquela, que se contentava com o contato prolongado com a areia úmida ou a segurança das águas rasas.
Não sabendo ainda como conquistá-lo por completo, Galega temia perdê-lo, com o passar do tempo. Foi com essa sensação triste que ela se despediu dele, ao terminarem as férias. Não se viram no verão seguinte. Os contatos que tiveram foram por telefone. Ela descobrira o que devia fazer para conquistá-lo, mas precisava de um tempo distante dele. Foi o que pedira a ele, no último encontro: um tempo.
Agora estava ali de novo. Guto não sabia ainda de sua presença em Balneário de Camboriú. Toda uma temporada sem vê-lo! Como reagiria ele?
Ficaria surpreso ao vê-la. Disso estava certa. Mas como receberia ele a nova Galega? Estaria pensando nela naquele momento?
Guto massageou o corpo com o sabonete de fragrância suave e doce: lembrança de Galega. Deixou-se ficar sob a ducha fria, por um longo tempo. Enxugou-se lentamente. Onde estaria Galega naquele momento? Quando voltaria a vê-la?
Serviram-lhe o café na varanda. O dia estava esplêndido: uma manhã especial. Levantou vagarosamente a xícara e sorveu um gole do café fumegante. A lembrança de Galega  ocupou-lhe os pensamentos de um modo possessivo, quase obsessivo, como lhe vinha ocorrendo, desde o último verão, marcado pela ausência da jovem. Realmente não entendera por que ela lhe havia pedido um tempo. Sentia saudades, e isso quase lhe tirava o prazer que seu hobby lhe proporcionava.
Caminhava agora para o mar, sobraçando a prancha. A praia estava cheia de turistas. Cumprimentou os companheiros, que conversavam animadamente, mas preferiu ficar só, durante alguns instantes. Era sempre assim: alguns momentos de recolhimento antes de enfrentar o mar. A comunhão com Deus precedendo a intimidade com o mar. Influência de sua mãe, que sempre fora muito religiosa. Faltou a Bruno concentração suficiente. Nem a lembrança da mãe nem as palavras da prece conseguiam se fixar em sua mente conturbada. Tudo em que conseguia pensar envolvia Galega . A própria imagem do mar diante dos seus olhos se confundia com a imagem dela.
As ondas quebravam na praia. A água buscava a areia e molhava seus pés. Era a saudação do mar. Como sempre, os contendores saudavam um ao outro, antes da luta.
— Que estamos esperando, meu amor?
Virou-se em direção àquela voz que o surpreendia, cristalina, mas quase inaudível, devido ao marulhar das ondas. Ela estava ali, deslumbrante. Após um momento de hesitação, largou a prancha e a abraçou, demoradamente, emocionado. Afastou-a um instante de si, para contemplá-la melhor, para mergulhar no verde de seus olhos.
Só então notou a prancha. Não a dele, que jazia estendida na areia, mas a que ela trazia. Ela riu do seu espanto:
— Ainda não aprendi o suficiente, mas tenho me esforçado muito, desde o último verão. As ondas da praia do canto são mais camaradas com os aprendizes.
— Bem-vinda ao mundo do surfe — sorriu Guto.
Dos olhos dela escorriam algumas lágrimas. Ele as secou com os dedos, delicadamente, embora não fosse capaz de conter a própria emoção. Chorava também. Beijaram-se apaixonadamente, sob os olhares divertidos dos companheiros, que começaram a se acercar deles, aplaudindo ruidosamente.
Guto colocou o braço em torno da cintura de Galega. Agora caminhavam juntinhos, com suas pranchas, em direção ao mar. E Guto perguntou para Galega olhando bem firme no fundo de seus lindos olhos verdes: 5 letras sempre? E Galega respondeu : Sempre! Sempre! Com um lindo sorriso e com os olhos brilhando de alegria.



O que será que ele quis dizer  5 letras começando com a letra A?

“Não é o que se pode se chamar de uma história original, Mas não importa. É a Vida real”.

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