Nas ladeiras de Bells
Por Tulio Brandão
As longas ladeiras de Bells Beach
mostraram ao mundo mais que as já conhecidas curvas precisas de Mick Fanning.
Num ano em que prevaleceram as condições típicas da tradicional direita de
Victoria, venceu o surfista clássico, sem pressa para realizar arcos.
Fanning fez valer a supremacia da
escola australiana. A vitória é um tributo ao legado de Michael Peterson, que
não por acaso era companheiro do campeão da etapa no clube Kirra Surfriders.
Dono de gestos econômicos e
precisos, Fanning optou pelo caminho mais longo e menos sinuoso: desceu as
ladeiras de Bells sem ansiedade, virou lá embaixo no momento certo e executou
as melhores manobras convencionais que a onda poderia oferecer.
Pode parecer um surf óbvio para
quem espera a surpresa, mas executá-lo com precisão é tarefa para muito poucos.
Dois brasileiros se apresentaram bem este ano na direita mais tradicional do
circuito: Adriano de Souza, que perdeu para uma onda excelente de Josh Kerr, e
Raoni Monteiro, eliminado pelo campeão em disputa apertada.
Raoni tem a serenidade necessária
à onda de Bells: não quica demasiadamente a prancha, cumpre o trajeto até a
base com calma e tem repertório para manobrar nas apertadas partes críticas.
Não por acaso, ele foi o único brasileiro a conseguir uma onda superior a 9
pontos.
Kelly Slater chegou à final em
espantosa forma. Dono de uma obsessão incontrolável por vitórias, ele parece
ter aprimorado ainda mais seu repertório de manobras aéreas, de olho na
revolução da nova geração. A ousadia lhe rendeu o prêmio de ser o único surfista
a obter uma nota 10 no evento, em onda de um aéreo só, fora do padrão clássico
de Bells.
Muita gente viu Kelly Slater
vencer a final. Eu vi um Mick Fanning mais preciso e sereno, mais afeito às
ladeiras de Bells. A bateria foi difícil de ser julgada: seria uma daquelas
“close heats” que, se um brasileiro ganhasse, renderia protesto formal e
explicação dos critérios de julgamento da entidade.
É certo que há elementos externos
à performance, como o fato de Fanning ser australiano, e isso acontece em todos
os esportes, mesmo nos supostamente mais objetivos. Por isso, sobretudo numa
temporada curta como a de 2012, é uma pena que o Brasil não tenha duas etapas
no calendário, como os australianos. Pelo menos, a próxima parada do tour é no
Rio.
Adriano começou bem em Bells, e
dava pinta de que brigaria mais uma vez pelas cabeças. No round 4, contra Owen
Wright e John John Florence, perdeu por pouco. Contra Kerr, logo depois, perdeu
a melhor onda e, por tabela, a bateria. Surfou muito bem, mas faltou-lhe o que
sobrou em Snapper: aquela cereja do bolo que faz as notas saltarem da casa de 7
para 9. Talvez ele não tenha encontrado a onda certa para a manobra que faz a
diferença.
Mineiro chega ao Rio na
vice-liderança da temporada, com um surf nitidamente mais completo que o de
anos anteriores e num ano em que o ranking está especialmente embolado. Nenhum
surfista conseguiu escapulir na ponta – pelo contrário, a diferença entre os
sete primeiros é de apenas 500 pontos em 20.000 disputados. Slater, Adriano,
Taj, Fanning, Parkinson, Jordy e Kerr estão colados, prontos para a guerra de
tiro curto.
Um excelente resultado no Brasil
é fundamental a Adriano e aos outros brasileiros. Até porque, num ano com
provas em Fiji, Teahupoo e Pipeline, vai ter fora de série, como John John, que
hoje está em décimo, louco para colar também no pelotão da frente.
Poucas vezes uma temporada
apresentou tantos surfistas em condições concretas de conquistar o título
mundial como este ano. A única saída é surfar de pé embaixo o tempo todo.
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