domingo, 24 de junho de 2012

Nota sobre o equilíbrio.


Nota sobre o equilíbrio.
Equilíbrio e conexões, Reflexões de um jornalista inquieto.

Por Tulio Brandão


Um amigo cético perguntou, esses dias de Rio+20, como eu via o tal do desenvolvimento sustentável. Veio à cabeça a clássica noção, que fala em atender as necessidades presentes sem comprometer a sobrevivência das gerações futuras.
Mas, como muitos, ando cansado de definições concebidas em academias e palácios distantes do mundo real, sobretudo diante dos resultados pífios da maior conferência de meio ambiente da história da ONU.
Resolvi reduzir o conceito a apenas duas palavras: equilíbrio e conexões.
Meu amigo pirou, disse que eu andava com muito surf na cabeça. Equilíbrio? Conexões?
Então, expliquei meu raciocínio torto, de canhoto: o modelo de capitalismo criado na Revolução Industrial entende a economia como um organismo isolado, à parte de tudo, capaz de crescer e se desenvolver como um corpo independente, que não toma conhecimento de nada à sua volta. É estranhamente autossuficiente.
Nesta lógica, se o plano de negócios assim indicar e a lei se omitir, o empreendedor instala a fábrica dentro uma unidade de conservação ou ao lado da comunidade, usa a energia de uma velha termoelétrica a carvão, descarta seus resíduos sem tratamento no rio mais próximo, transporta a carga numa frota gasta de caminhões a diesel e, no fim do processo, ignora o destino das embalagens que ele mesmo gera para acondicionar seus produtos.
Do início ao fim, o negócio do empreendedor está isolado, apenas com as conexões estritamente necessárias ao lucro. É o negócio clássico, sem qualquer equilíbrio, capenga por não considerar como elemento fundamental tudo o que está à nossa volta.
Pois não há organismo no mundo – seja um homem, uma empresa ou uma árvore – capaz de ignorar o que se passa ao redor impunemente. Sem conexões e equilíbrio, o organismo morre ou vira um câncer e mata os outros. As duas consequências são desastrosas.
Em outras palavras, o capitalismo não pode nos matar. Mas também não pode morrer, até porque até hoje não encontraram um modelo alternativo eficiente na prática. Quem tiver dúvida, que pergunte a um chinês trabalhador. A teoria do comunismo é fascinante, mas infelizmente não inventaram um modelo democrático em que prevaleça o peso do Estado.
O negócio é tão complexo que nem o tão celebrado capitalismo social europeu se mostrou viável em alguns países. Agora, precisa, para sobreviver, de choques de austeridade.
O novo modelo de capitalismo exige conexões. No longo prazo, vencerá aquele que conseguir se conectar mais rapidamente. Aqui, lembro-me de Avatar, um filme óbvio, que vende a sustentabilidade na embalagem comercial do manual de Syd Field, mas nos traz a grande sacada da conexão materializada numa espécie de cordão umbilical com a natureza.
Noves fora o simbolismo exagerado, para sobreviver, o mercado precisa de conexões com o ambiente, com a comunidade, com os resíduos gerados, com tudo o que nos cerca.
O novo plano de negócios prevê a fábrica em áreas que causem menos impacto ao ambiente local, matrizes energéticas renováveis, o reaproveitamento de seus resíduos dentro do processo produtivo, emissão regulada de poluentes ou de CO2, um transporte limpo e a responsabilidade pós-consumo nas mãos de todos nós.
Do lado de cá, dos cidadãos, sabemos bem o que fazer: deixar de comprar como idiotas impulsivos e optar pela compra equilibrada, sem excessos. O governo também conhece o seu papel de regulador, mediador, fiscalizador. Pode começar fazendo o básico: aplicar leis.
É matemática: ou todo esse pacote entra na conta, ou nós saímos da conta.
Com equilíbrio e conexões sistêmicas, podemos enfim dispensar os colchetes sempre vazios de negociadores dos governos, o green washing oco de parte da indústria e até mesmo alguns discursos mais agressivos da ala verde radical.
Afinal, neste jogo, não é um contra o outro. Estamos todos no mesmo barco. Navegamos juntos ou afundaremos juntos. 

Tulio Brandão é jornalista, autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

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