Ídolos não são forjados
Por Tulio Brandão
Ídolos não são forjados
Por Tulio Brandão
Julian Wilson é um excelente
surfista. Julian Wilson é talentoso. Julian Wilson tem estampa de galã. Julian
Wilson apoia causas nobres.
O mercado tem olho clínico: não
faltam razões para vê-lo como um forte candidato a ídolo, uma máquina de
vendas. E os australianos não estão errados ao trabalhar para vê-lo no topo.
Volta e meia, um candidato a
ídolo demora a confirmar seu posto. Outras vezes, por uma ou outra razão,
jamais chega lá. Imaginem quantos ex-futuros mitos não foram aposentados pelo
domínio avassalador de Kelly Slater nas últimas duas décadas?
Ainda é cedo para dizer se Julian
vai se tornar um ídolo, mas é a hora certa para lembrar ao mundo do surfe de
uma sábia frase de Chico Science: “deixe que os fatos sejam fatos
naturalmente, sem que sejam forjados para acontecer.”
A vitória de Julian, nesta
sexta-feira, em Portugal, é a derrota do surfe competição.
A ASP construiu uma armadilha
para si mesma. Pressionada, gerou um cenário tão distorcido em torno do garoto
Julian – e isso não é de hoje – que não percebeu, na final de ontem, o abismo
existente entre o julgamento e o mundo real.
Naquela bateria,
perderam todos.
Perdeu, em primeiro lugar,
Gabriel Medina, que teve o título usurpado de maneira grosseira. A reação de
Gabriel, no pódio, pode ser interpretada como um sinal de falta de maturidade,
como quem diz “acostume-se a perder de formar questionável, assim é a ASP”.
Mas sua sinceridade juvenil,
ingênua, é uma arma e tanto contra esse frágil castelo de cartas. A entidade,
os patrocinadores, ninguém esperava que Medina fosse manifestar, no pódio, o
seu descontentamento com o resultado. O surf precisa de sincericidas.
Perdeu também Julian Wilson.
Embora tenha saído com o caneco, ele consolida, sem querer, a imagem de atleta
com notas grosseiramente turbinadas pelo mercado. E, cá entre nós, o
australiano não precisa disso. Ainda é capaz, sim, de ser o ídolo que o mercado
espera.
Mas os sucessivos “overscores”
têm feito mal ao australiano. Ainda que esteja apto a manobras de alto risco,
ele tem adotado uma postura notadamente conservadora em algumas ondas-chave,
como a última de Portugal, confiando num julgamento benevolente.
Perdeu, ainda, o esporte. As
fronteiras do surf nem sempre são delimitadas pelo recorte dos países. O garoto
Medina, por exemplo, é um ídolo mundial, sobretudo para as novas gerações não
contaminadas pelo vício do preconceito. Pequenos torcedores de todas as línguas
– e não só a portuguesa – torceram o nariz para o campeão.
Uma parcela significativa de
americanos, europeus e até australianos lamentou, nos sites e redes sociais, o
rumo tomado pelo surfe competição. Até
jornalistas aussies, como o renomado Tim Baker, foram a público no Twitter:
“Não consigo explicar por que, mas Gab foi roubado. As duas ondas dele são claramente
melhores que as de JW.”
Perdeu, e muito, a ASP. O
resultado expõe de modo definitivo as tendências e fragilidades da entidade,
além de jogar excessivo holofote sobre os juízes, que são passíveis de erro e,
até prova em contrário, tentam ser corretos. Acredito sinceramente que eles
tentem acertar.
Ao construir um cenário tão
desfavorável ao brasileiro, diante de um australiano, a entidade ainda vê
renascer a ideia de preconceito e, sem querer, estimula a rixa entre o mundo
dominante do surf e o dos “brazzos”, sem saber muito bem o que perde com isso.
Não convém seguir adiante com
essa estratégia. O Brasil já é, hoje, um dos mais importantes mercados de surf
do mundo. Um país em crescimento, num cenário de redesenho da economia mundial.
O tal mercado, com sua mão reguladora invisível, deveria levar isso em conta na
hora de equilibrar seus pesos.
Nesta sexta, sites como o da ASP
e o Surfline sofreram uma avalanche de indignação brasileira e de outros países
com o resultado. Os manifestantes chegaram a criar, no Facebook, uma página de
protesto chamada “Gabriel Medina roubado pela ASP”, que até a tarde de sábado
já tinha mais de quatro mil seguidores.
Os protestos se espalharam também
entre os surfistas. “Acabei de vomitar. Estou enojado”, escreveu Fred
Patacchia, no Twitter, logo após a final. Ross Williams, Joel Centeio, Nate
Yeomans, Kala Alexander, entre outros, também discordaram publicamente do
resultado.
Muita gente, no entanto, notou o
silêncio ensurdecedor de alguns tops, especialmente daqueles que se manifestam
como arautos da justiça em ocasiões análogas.
O que o mundo – ou pelo menos boa
parte dele – quer é simples: basta que haja um jogo justo, grandes histórias,
ídolos reais, disputas verdadeiras.
No fim das contas, não importa o país, o patrocínio, a cor, a
raça. Só o surf.
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