terça-feira, 31 de julho de 2012

Um surfista e uma onda


Um surfista e uma onda
Por Tulio Brandão

 
O mundo corre numa velocidade tão impressionante, exige tanto esforço de evolução, que às vezes nos esquecemos das coisas mais simples e belas da vida. Uma delas é ver o surfista e a onda quando os dois se tornam uma coisa só, como um par de dançarinos numa valsa.

Esta semana, em meio à guerra das intrincadas manobras de aéreas de rotação do mundo competitivo, chegou à minha tela de computador um vídeo do australiano Heath Joske no evento realizado recentemente em Jeffrey’s Bay, conquistado por Adriano de Souza.
As imagens são um convite à reflexão, uma prova de que o surf, por essência, sobrevive muito bem sem os impulsos da modernidade. O surf de Joske combina de tal forma com J-Bay que por um momento renegamos os surfistas futuristas.
Joske se recusa terminantemente a brigar com a onda, não aceita espancá-la como qualquer jovem nervoso. E não é por falta de opção: ele domina inteiramente o cardápio das manobras mais modernas.
Em vez de beber na fonte da molecada, ele resgatou a lógica de um movimento esquecido, chamado “soul arch”, eternizado por Terry Fitzgerald, o “sultan of speed”.  No movimento, o surfista curva o corpo e joga os braços para trás, numa posição de reverência à onda.
Acho que todos os garotos deveriam ser capazes de fazer desenhos clássicos nas ondas. É um pouco como a história de um artista, Picasso ou Matisse, não lembro, que certa vez, no auge de seu trabalho, foi questionado sobre a capacidade de desenhar com traços precisos.
Em resposta aos críticos, fez um retrato perfeito, com todas as curvas de sua modelo desenhadas com precisão fotográfica. Na tela seguinte, voltou, em paz, à sua arte.
Certa vez, fiz uma coluna para a revista Fluir sobre o cara que descobriu a estátua Vênus de Milo, abandonada numa ilha. O que o encantou, chamou a atenção, foi uma expressão estética e um equilíbrio de curvas que o homem aprendeu a adorar ao longo de sua existência.
Adriano de Souza venceu merecidamente o evento em que Joske e J-Bay, por um instante, foram uma coisa só. Também fez curvas elegantes, e usou a força exigida pelo livro de regras da ASP para trazer o caneco para o Brasil.
Os movimentos do australiano, de fato, não têm qualquer relação com a competição. São mais expressivos, carregam uma força pessoal, são mais estéticos.

É ali, naquele momento, que o esporte encontra a arte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário