Um surfista e uma onda
Por Tulio Brandão
O mundo corre numa velocidade tão
impressionante, exige tanto esforço de evolução, que às vezes nos esquecemos
das coisas mais simples e belas da vida. Uma delas é ver o surfista e a onda
quando os dois se tornam uma coisa só, como um par de dançarinos numa valsa.
Esta semana, em meio à guerra das
intrincadas manobras de aéreas de rotação do mundo competitivo, chegou à minha
tela de computador um vídeo do australiano Heath Joske no evento realizado
recentemente em Jeffrey’s Bay, conquistado por Adriano de Souza.
As imagens são um convite à
reflexão, uma prova de que o surf, por essência, sobrevive muito bem sem os
impulsos da modernidade. O surf de Joske combina de tal forma com J-Bay que por
um momento renegamos os surfistas futuristas.
Joske se recusa terminantemente a
brigar com a onda, não aceita espancá-la como qualquer jovem nervoso. E não é
por falta de opção: ele domina inteiramente o cardápio das manobras mais
modernas.
Em vez de beber na fonte da
molecada, ele resgatou a lógica de um movimento esquecido, chamado “soul arch”,
eternizado por Terry Fitzgerald, o “sultan of speed”. No movimento, o surfista curva o corpo e joga
os braços para trás, numa posição de reverência à onda.
Acho que todos os garotos
deveriam ser capazes de fazer desenhos clássicos nas ondas. É um pouco como a
história de um artista, Picasso ou Matisse, não lembro, que certa vez, no auge
de seu trabalho, foi questionado sobre a capacidade de desenhar com traços
precisos.
Em resposta aos críticos, fez um
retrato perfeito, com todas as curvas de sua modelo desenhadas com precisão
fotográfica. Na tela seguinte, voltou, em paz, à sua arte.
Certa vez, fiz uma coluna para a
revista Fluir sobre o cara que descobriu a estátua Vênus de Milo, abandonada
numa ilha. O que o encantou, chamou a atenção, foi uma expressão estética e um
equilíbrio de curvas que o homem aprendeu a adorar ao longo de sua existência.
Adriano de Souza venceu
merecidamente o evento em que Joske e J-Bay, por um instante, foram uma coisa
só. Também fez curvas elegantes, e usou a força exigida pelo livro de regras da
ASP para trazer o caneco para o Brasil.
Os movimentos do australiano, de
fato, não têm qualquer relação com a competição. São mais expressivos, carregam
uma força pessoal, são mais estéticos.
É ali, naquele momento, que o
esporte encontra a arte.
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